Matrix - Um oceano?

O filme Matrix é aparentemente um filme de ação, com boas cenas e muita tecnologia, na superfície é só isso. Mas como pode um homem falar do mar vendo apenas sua lisa superfície no horizonte? Então vamos mergulhar nesse mar para retirar uma visão "sub-aquática", por assim dizer. Comecemos pelo óbvio, pelo começo. O começo está onde? Em alguma primeira cena? Não, o começo está no título: "Matrix". Que Matrix? O que é Matrix? É o código inicial de um programa, em suma, como diz o nome é a Matriz, o código-mestre, o código-mãe, o código-chave, como queiram chamar, é a raiz de todo o programa. Que programa? O programa que alimenta o mundo das máquinas, máquinas estas que no enredo da história dominam e povoam a Terra há muito já devastada pelos homens que criaram essas máquinas e elas passaram ao "controle" (na verdade nem há controle, mas será preciso outro texto só para este tema) da superfície terrestre. Mas como se "alimentam" estas máquinas, de onde retiram energia para "viverem" e dominarem a superfície da Terra? Dos seres humanos que foram encapsulados em jarros com um líquido que os mantêm estáveis e há um conector na cabeça dos homens que sugam a energia humana para dessa energia humana fazerem funcionar as máquinas e elas se movimentarem e continuarem funcionando. Os homens se tornaram "baterias", "pilhas", "energia elétrica" para as máquinas. Mas como alimentar os homens de energia, porque se as máquinas somente sugassem a energia humana o homem morreria, perderia completamente sua energia e nem teria como alimentar as máquinas, então como alimentar os homens? Aí entra o programa das máquinas, porque a programação que as máquinas fizeram mantêm a atividade cerebral dos homens funcionando (pelo programa) e essa atividade cerebral dá a energia necessária para as máquinas. Mas claro são milhões, bilhões, trilhões de homens talvez, todos encapsulados para dar essa energia necessária às máquinas. E o que esse programa faz? Como ele age? O que é ele? O programa é o código-Matrix em funcionamento. Quando o programa está rodando ele alimenta o cérebro humano, mantêm vivo o corpo físico dos homens. E essa "vida" é o programa que funciona no cérebro dos homens. Até o momento um bom enredo, mas é o bastante para ter enunciado no título “Oceano”? É que o desenrolar do “programa” é a própria vida em suas diminutas nuances e sutilezas. Tudo está ali: Destino, Escolha (palavra ruim para determinar sua essência que será explicada), Caminho, Morada, Espírito, Energia, Universo, Liberdade, Ilusão, Aparência, Redenção, Graça... O filme Matrix alcança uma espiritualidade maior que muitos livros ditos espirituais, mas é preciso olhos e atenção...Podemos começar pelo próprio programa que é algo gerado pelas máquinas e apenas “funcionam” na mente humana, como uma “Ding an sich” kantiana, ou seja, um programa apartado da vivência humana mas que por mais apartado que esteja é essa distância, esse abismo que permite a vivência humana... Contraditório? É o próprio Deus (Universo, Energia, a palavra que quiserem) que transcendendo o homem permite a sua existência (o Nada de Heidegger). Esse programa “externo” ao homem que o permite viver, ecoa um mundo que não é o “real” na mente dos homens, apenas para alimentar as máquinas, ou seja, o mundo das máquinas (real) permite pelo programa o mundo (ilusão), e eis a mais perfeita manifestação da interpretação cristã do platonismo. Aliás aqui podemos avançar um pouco na história para explicar justamente o nome do protagonista, Neo, que é o novo, a novidade, a “Boa Nova”, o próprio evangelho anunciado em vida, em carne e osso, a encarnação de Deus. E Neo também é o “One”, o Um, o Uno, a perfeição que tudo reúne em si, que encarna a própria força de Deus na Terra, e vem para equilibrar a energia no Universo após o desequilíbrio do “Mal”, após a expulsão do Paraíso, pelo conhecimento humano de Bem e Mal. Eis o que mal se entrevê nas cenas de ação... Mas uma história que remonta à própria realização de pouco mais de dois mil anos de Ocidente. Neo é o próprio redentor da humanidade e das máquinas, reúne homens e Deus, para além de uma briga mesquinha entre Deus e homens. Repete-se a história do dilúvio, mas retornemos a história para chegar ao dilúvio. O programa na sua atividade mantém a vida humana, e cria imagens no cérebro humano, como a vida que hoje e nesse instante estamos vivendo “de modo ilusório”, em que as pessoas andam, comem, dormem, sorriem, contam histórias, abraçam, amam, beijam, enfim, seguem suas vidas cotidianas. Mas há homens que se desligaram das máquinas e vivem como refugiados das máquinas, em subterrâneos e escondidos caminhos, e um deles em especial acredita em uma profecia que ouviu de dentro do programa Matrix, de que haveria um escolhido que não seria igualado em força e poder e iria restabelecer o equilíbrio entre homens e máquinas para um perfeito convívio. É Morfeu. Esse nome já é emblemático, mas deixemos o nome por ora. Esses homens que vivem nos subterrâneos de uma Terra devastada, também conseguem se ligar ao programa Matrix mas de uma forma “pirata”, “clandestina”, sem o consentimento das máquinas, e por vezes correm perigo justamente por entrarem no programa de forma “não-convencional”. E se conseguem viver fora das máquinas, no mundo “real”, por que querem e entram novamente no programa das máquinas? Porque está para acontecer uma guerra entre homens e máquinas, e a cidade refugiada dos homens, chamada Zion (nome também emblemático), parte dela crê nas palavras que Morfeu ouviu do Oráculo no programa, e estão buscando o Salvador, o Redentor, o que trará Paz e Equilíbrio entre os homens e máquinas, que é o Neo, o Escolhido. Morfeu e seu grupo está procurando Neo no programa, porque eles não sabem onde ficam exatamente os homens na imensidão de cápsulas que contêm os homens, eles só conseguem localizar na cápsula se encontrarem dentro do programa das máquinas. Eis o início do filme, o senhor Anderson (Neo) sendo chamado para conversar com Trinity (mais um nome emblemático e simbólico), que acredita junto a Morfeu que há um escolhido para trazer a Paz, enquanto parte da cidade de Zion não crê em Morfeu, e não só não crê como zomba das “profecias mirabolantes” de Morfeu. O senhor Anderson é então levado a uma conversa com Morfeu das mais profundas que possa se ter em vida, que uma falta de equilíbrio emocional pode levar a um desespero sem tamanho, como se fôssemos lançados sem prévia preparação aos problemas de Berkley e ao mundo das Idéias de Platão que pode gerar uma reação atormentada como no mito da caverna em que alguém vem contar às pessoas presas e que só vêem sombras que há um Sol e um Mundo gigante lá fora, e a descrença e atordoamento dos outros levam a matar esse que anuncia isto... Senhor Anderson tem diante de si uma possível decisão (e nunca escolha, porque a escolha exige vivenciar dois caminhos simultaneamente e retornar ao ponto de origem e efetivamente escolher após ter visto os dois caminhos o que se quer, e em vida somente é possível a decisão, jamais a escolha, a menos que a clarividência tenha sido alcançada, mas isso é outro tema...), tomar uma pílula que é um “anti-programa” dentro do próprio programa da Matrix que anularia o programa e faria com que ele saísse da cápsula no mundo real e pudesse viver como homem “carnal”, ou então tomar a outra pílula que o mantém intacto e vivendo como sempre viveu na Matrix, sem que nada se altere. E é claro que para continuação do filme ele toma a pílula que sai do programa e tudo se altera, para o bem de nossa imaginação... Aí toda a vivência anterior do senhor Anderson se torna algo extremamente estranho, embora sua rotina e cotidiano entediante fossem naquele momento em que era vivido a “única” forma possível de viver, e se abre um universo tão inimaginável que a tendência inicial do senhor Anderson é negar, negar até o mais íntimo, pois a negação de algo tende a nos manter firmes com nossas pretéritas afirmações, como um mecanismo raso e pequeno de defesa. Mas Anderson adquire consciência que estava defendendo algo que nunca chegou a entender até a raiz, então se viu defendendo o próprio vazio, o próprio Nada da existência... Isso atordoa. É preciso força. Mas fora do programa já não há retorno, então a fase da aceitação vem chegando, e um novo entendimento de vida e o que é no fundo estar vivo...

A resenha e explicação do filme continua, mas se encontrar eco nas almas, e elas pedirem para continuar, por ora eu paro e espero os comentários e opiniões, e se devo continuar ou não.

André

5 comentários:

Interessante visão! Um pouco poética e metafórica, diferente dos outros dois críticos.

Gostei, continua por favor.

Muito bom, Mente brilhante

Excelente. Continue por favor!

Querido amigo, muito profundo, tive dificuldade para acompanhar, você me parece brilhante, mas eu preciso mais mergulho, coisa que sobra em tim,abraço!

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Blog formado por estudantes abordando temas culturais como cinema, filosofia, música, tecnologia, arte, etc.

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