Esse é o segundo post que faço sobre Parmênides. No primeiro, disse que não se devia encarar Parmênides com aquela imagem vulgata, de um completo imobilista e monista, que enxerga a realidade, e um ser dificil de ser compreendido, como um uno-todo, mas que devemos ler o poema e buscar em cada fragmento leituras distintas para criar nossas certezas.
Basicamente, a ideia do primeiro fragmento, que segundo muitos acreditam constitui realmente a introdução do poema, é a de introduzir o leitor ao que será falado. Vemos neste fragmento um viajante, que não é qualquer um, mas um homem sábio, que cavalga sob éguas. Ele cavalga em um caminho; este é o caminho pelo qual as Filhas do Sol a guiam, o caminho para o Portal da Noite e do Dia, um portal guardado pela Justiça, que fará o viajante, ao transpassá-lo, alcançar uma Deusa, inominada, que o ensinará as coisas que deve conhecer: a verdade intrépida e persuasiva, e as opiniões dos mortais, onde não há fé verdadeira. São esses dois ensinamentos que constituirão o que é conhecimento, no decorrer do poema.
O que pretendo fazer aqui é uma análise mítica deste proêmio. Mas antes disso, devemos lembrar que o tempo em que o poema fora escrito era um tempo onde começavam a aparecer os primeiros filósofos, onde começava uma transição do mito para o pensamento filosófico. Agora que se começava a encontrar fundamentos e conceitos naturais a partir da própria natureza, diferente dos mitos de Homero ou Hesiodo, onde a explicação se dava no plano mítico.
Parmênides se apropria do poema em hexâmetros dactílicos (modo em que Homero escrevia), com rimas feitas à forma clássica, e não só faz isso, como também se apropria das figuras míticas outrora usadas em outras obras gregas, e populares, para dizer novas coisas sobre a realidade e os fenômenos físicos. Podemos dizer que aqui há heranças e rupturas. Ao mesmo tempo que Parmênides faz parte de um novo tipo de pensamento, diferente do mito, ele se apropria do mito para dizer o que diz. Uma boa questão para nos colocarmos é: Essa apropriação se dá com o mesmo sentido que os mitos utilizavam ou Parmênides utiliza os termos míticos com outras significações?
Vamos à análise mítica:
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@lgr2k9
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No Proêmio, o viajante é introduzido em seu caminho por Numes, e é conduzido em seu caminho pelas Filhas do Sol, as Helíades.
- Numes são
divindades de intermediação, pelas quais os homens podem aceder ao plano
divino. Eles são como gênios inspiradores.
- As Helíades, ou
Filhas do Sol, são as filhas de Hélios,
o sol no panteão arcaico, provedor de luz. Nelas vigem vida conhecimento e beleza.
São equivalentes às musas de Apolo. É uma tradição poética invocá-las no início
dos poemas, e Parmênides não abandona essa tradição, que é como um ritual para
a conquista do
conhecimento.
Seguindo-se o poema, essas Helíades levam
o viajante no caminho, levando-o dos domínios da Noite para a Luz, onde
ficam as portas dos caminhos da Noite e do Dia.
- A Luz desempenha
uma função orientadora, sendo a meta do viajante. A meta dele é sair dos
domínios da Noite.
- A linhagem hesiódica da Noite é importante para entendermos o contexto do viajante. Seus
filhos: Lote, Sorte negra e Morte, Sono e os Sonhos, Escárnio e Miséria, as
Hespérides guardiãs do Ocaso e as três Parcas, Vingança, Engano, Amor, Velhice
e a Ira de Ânimo Cruel, cujos filhos são: Fadiga, Olvido, Fome, Dores,
Batalhas, Combates, Massacres e Homícidios, Litígios, Mentiras, Discursos e
Disputas, Desordem, Derrota e Jura.
- Deixar a Noite em direção à luz configura uma
transformação no plano ético. Os valores da Noite devem dar lugar aos valores
diurnos, da legalidade, da justiça e da verdade.
Quem detém as chaves do portal da Noite e do Dia é a Justiça. Ao seguir o caminho, o viajante encontra a Deusa, que o acolhe afavelmente, dizendo que
foi nenhuma Moira ruim que o guiou no
caminho, que é um caminho proibido aos homens, mas fora Norma e Justiça.
- A Justiça, ou Dike, é a juíza das ações humanas. Ela
não só julga, como indica o melhor caminho que o homem deve seguir.
- A Deusa,
inominada, é aquela que prescreve o que é, o que não é, e o que deve ser
seguido pelo viajante, em relação ao conhecimento.
- Moira é o
destino, mas no caso do poema, tem seu melhor sentido como “partida”. Ela não
seria o extremo fim, mas um extremo começo, uma parte separada, um momento de
separação.
- Norma é a
expressão da lei divina, uma lei conforme a ordem dos deuses, a despeito das
opiniões humanas.
Por fim, é só pessoal. Leiam o poema, busquem mais sobre mitologia grega. Deixo algumas dicas de "leituras complementares":
Postado por
Lobo Larsen
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Que tal começar a semana com um eletro dançante? Vamos, animem-se!